5 de out. de 2009


O amor, uma experiência... da linguagem
PARTE IV


Albano Marcos Bastos Pêpe

Tomar o amor na perspectiva de uma experiência da linguagem, como algo em que o homo sapiens sapiens é colocado ao longo de sua evolução por se constituir em voz (phoné) e linguagem (lógos), é a intenctio obliquea da narrativa que começo a tecer. Deslocar os fios que conduziram as últimas reflexões “amorosas” sem, no entanto, perder o sentido teleológico do pensamento, pode ser para mim, estender os rizomas até o alcance do que pode ser nominado como “paixão”.
Se o amor pode ser compreendido como expressão e superação do experimentum linguae com vistas a um modo de ser no mundo, ao possibilitar o encontro do “um” o “outro”, através de diversas manifestações (amor conjugal, amor ao amigo, amor pela espécie), tal não ocorre no meu entendimento, com a paixão. Uma larga tradição ocidental designa a mesma como uma das manifestações do amor. Um sentimento com gradações que iriam da ternura ao arrebatamento, do suave ao ensandecido; tomam-na também como um sentimento intenso, mas passageiro, como um sentir profundo mas ao mesmo tempo fugaz, nada parecido com as demais experiências amorosas, mas considerada uma de suas modalidades, um amor-paixão ou então uma paixão amorosa.
Experimentando da linguagem a palavra “paixão”, percebo que a mesma traz consigo sutilezas não encontráveis no ideal amoroso. Este me remete a um plural de significações que tem a ver como vínculos estáveis, equilibrados, que de algum modo garantem a superação da “insociabilidade natural” que fala Kant; assim como do surgimento da filia, da amizade entre os homens, entre os cônjuges e seus descendentes, como fala Aristóteles. Algo que tem a ver com a constituição da polis, com a evolução dos princípios éticos, dos valores morais, da segurança da comunidade, enquanto o amor pelo outro que nem chego a conhecer, mas que devo amá-lo enquanto espécie. Aquela, a paixão, me remete a perda de sentido de tais pilares da sociabilidade. Acontece como algo completamente inusitado, sem palavras que justifiquem tal arrebatamento que me invade imperiosamente, como se apenas existissem “eu” e o objeto da paixão, que eu desejo comer, devorar, pois já estou sendo devorado por ele, que surge sem nenhuma idealização minha, como um nada que a tudo contêm. Eros e thanatos unem-se de tal forma neste sentimento, que nem o instinto natural de sobrevivência, nem a atitude racional, conseguem conter a lascívia que domina o corpo.
A paixão é hybris, desmesura, acometimento. Incorpora-se enquanto totalidade, alcançando os sentidos, os pensamentos e impondo um desejar que aponta para o gozo do abandonar-se na sua experiência; é lúdica e mortal. Quem a vivencia embriaga-se com as poções que só aos deuses é permitido ingerir. Experiência que relatada, só emite balbucios que denunciam uma fase prélinguística do humano. Sentimento de infinitude, enquanto momento atemporal e cósmico; de esquecimento da morais convencionais que traz consigo um estar acima do bem e do mal; de liberdade das amarras da racionalização e incorporando assim a condenação ad aeternum do libertino, naquele momento único e indescritível.

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