29 de set. de 2009


O amor, uma experiência... da linguagem
PARTE III
Albano Marcos Bastos Pêpe

Conforme relatos de alguns pensadores com quem dialoguei anteriormente, o amor pode ser entendido como algo inscrito no DNA da nossa espécie. Entendo que neste sentido, dispomos de estímulos sensoriais e sensíveis que garantem ações voltadas para a sobrevivência e a reprodução. Desencantados da linguagem que o reveste através de narrativas orais e escritas enquanto plural de significações romanceadas, parece-me que nos resta o consolo de sabermos que além de entidades tecnológicas, de seres racionais e de filhos “exclusivos” de Deus, somos também animais como os demais animais, com instintos básicos que nos remetem a preservar a espécie.
Ora, se amar pode ser entendido como algo “bom, prazeroso e agradável e útil”, sendo também a possibilidade de vencermos nossos temores instintivos em relação ao outro e assim viver comunitariamente, posso, ato contínuo, dizer que somos também instintivamente “amáveis” e que tal instinto nos preserva vivos, associado, é claro, a outros mecanismos biológicos tais como a sexualidade via acasalamento, o medo, a fome, a sede, a adequação dos órgãos sexuais com vistas à fornicação, a produção de adrenalina para reações mais drásticas. Por outro lado, animais dotados de linguagem como também somos, vivemos o simbólico, a representação construída ao tratarmos de nossas vivências e convivências. Sendo, portanto “impossível” para nós, a percepção de nossas raízes “naturais” sem representá-las linguisticamente, ou seja, simbolicamente.
Seguindo ainda esta linha de raciocínio, o amor em suas infinitas derivações, nada mais é que a expressão do experimentum linguae de um corpo que se pensa e que se faz sigética, construção silenciosa de sentido, sem que a priori, precise comunicar através da fala ou da escrita, o fazendo tão somente pela voz, expressão corporal de todos os animais. A espécie vence sua insociabilidade natural em nome de uma outra força natural: sua preservação enquanto espécie, permanência e continuidade.
Lembrando Aristóteles, que afirmava: “a amizade conjugal parece existir por força do instinto, uma vez que o ser humano é, por natureza, um animal que acasala”, podemos pensar que o amor conjugal, o amor entre os cônjuges e as crias, frutos do acasalamento, tem suas raízes fincadas na conduta instintiva, comum a todos os animais, voltada para a preservação da vida, nada de emoções e sentimentos espetaculares românticos. Tão somente as espécies, que garantidas (ou não) por suas capacidades de adaptação e evolução, acasalam, reproduzem e protegem instintivamente seus descendentes diretos.
A amizade tem para o Estagirita o sentido forte da virtude primeira enquanto filia, ou seja, o relacionamento entre pessoas, que vai da impessoalidade desapaixonada até o relacionamento intimo de amantes, o que viria a permitir o convívio na polis e na oika. O surgimento e desenvolvimento das outras virtudes, notadamente as morais (nomeadas por ele de secundárias), tem a ver com a consolidação das relações comunitárias e a evolução de regras morais, teológicas e jurídicas, que através dos tempos se apropriam do instintivo manifesto tão somente pela voz, ofertando ao mesmo, novos sentidos que o remetem para o plano da representação, dando existência e densidade a palavras tais como amizade, amor, paixão, gozo, desejo. O estado de natureza deixa de existir (não no tempo apontado por Hobbes) enquanto physis e inaugura-se um novo momento para a espécie, o momento do ethos, da formação cultural e da subjetividade, resultado da passagem da voz para a “infância da linguagem”: o silêncio da linguagem e, para finalmente se constituir como linguagem definitivamente, lógos e gramma.
Trágicos e patéticos seres que somos, silenciamos as vozes ancestrais de nossos corpos criando tão somente palavras para os desideratos naturais. Palavras com sentidos criados artificialmente, que, vias de regras, nada anunciam do que somos ou sentimos. Palavras que repetimos à exaustão como que para nos convencermos que sabemos lidar com nossas vidas, nossos corpos e os outros corpos. Em momento algum, notadamente na modernidade, aprendemos a falar com nosso corpo, a escutá-lo, ou seja, a nos escutar através dos sentidos corpóreos que nos permitiriam acesso à morada e ao outro, visto que fizemos da linguagem nossa única morada. “A linguagem é a morado do ser”, dizem filósofos modernos. Portanto, amar só pode ser uma palavra vazia, sem repercussão para os corpos emudecidos por tantas falas proferidas em discursos racionais que a “tudo” explicam e justificam.
A ausência de sentido das palavras que anunciam uma “palavra amorosa” deve-se, provavelmente, ao fato de que nos confundimos no uso da palavra-ação. Dizemos o que não sentimos e sentimos o que não sabemos dizer e assim, pensamos que não sabemos exprimir os sentimentos que atravessam o corpóreo na busca incansável dos outros corpos que o esperam, para...
Mas existem os mitos contemporâneos criados para que todos acreditem que nossos corpos podem ser tão modernos quanto os objetos para eles criados nos laboratórios técnico-científicos; nas clínicas de cirurgia plástica, de próteses (seio, bunda, pênis, cabelos, pseudo-vagina); nos laboratórios que produzem fármacos direcionados, do controle da reprodução, à otimização do desempenho sexual; aos estados d’alma, “tratados” pelos “psi” acadêmicos. Nesta lista de produtos, palavras viram próteses que dizem das próteses em que nossos corpos são transformados.
Cada vez mais somos distanciados da existência das vozes silentes dos nossos corpos originais, se é que ainda somos tal existir. Que lástima, morreremos assim como todos os demais corpos e, provavelmente, ausentes da apreensão dos mesmos, visto o cogito cartesiano que nos habita; visto que nunca fomos nem seremos modernos, quando o são tão somente nossas próteses.

O amor, uma experiência... da linguagem
PARTE II
Albano Marcos Bastos Pêpe

No Livro VIII da “Ética a Nicomaco”, Aristóteles assim começa a descrever o amor na perspectiva da filia, a amizade: “Nossa tarefa a seguir será tratar da amizade, pois esta é uma virtude, além do que constitui uma das exigências mais imprescindíveis da vida – ninguém, com efeito, optaria por viver sem amigos, mesmo que possuísse todos os outros bens (...) Por isso louvamos os homens que amam seus semelhantes (...) e se os homens são amigos, não há necessidade de justiça entre eles, ao passo que ser meramente justo não basta, não dispensando um sentimento de amizade. Na verdade, a forma mais elevada de justiça parece conter um elemento de amizade”.
Neste relato me faço acompanhar do Estagirita para juntos fazermos mais um experimentum linguae, desta feita vinculando o amor com a amizade, com um sentimento que pressupõe desde sempre a existência de um ou alguns outros. A amizade como queremos abordá-la, resulta do reconhecimento de outra pessoa através da boa vontade ou afeição, notadamente quando se dá a reciprocidade, quando uma predisposição instala-se como uma deferência. “A amizade entre os seres humanos, portanto, requer que estes (a) sintam afeição (boa vontade) recíproca, ou seja, queiram o bem um do outro, (b) estejam cientes (reconheçam) da afeição um do outro e (c) a causa ou fundamento de sua afeição tem que ser uma das qualidades amáveis (bom, prazeroso e agradável e útil)”, faz questão de salientar o velho peripatético nas nossas caminhadas em torno do lago.
Portanto, nesta abordagem da experiência da linguagem, estendemos rizomaticamente o conceito a outros conceitos para, finalmente alcançarmos o plano da vivência, aquele onde a Palavra significa a via de acesso para os diversos planos da realidade e quiçá, do real. Distanciamo-nos um pouco, visto que tanto Aristóteles quanto eu, temos ritmos próprios de caminhar e pensar, e isso não nos preocupa porque, ao final das contas somos amigos. E nesta “andança solo”, me volto recorrente para Kant que, por sua vez, provoca com a questão da “natural insociabilidade social da espécie humana. Segundo ele, precisamos do outro da espécie para continuarmos a existir como humanos. Fico cismando, pensando com meus botões, se é que eles existem, entica Descartes. A evolução humana em direção a sua humanidade depende do viver coletivamente entre seus pares. Concordo com o sábio de Konisberg: eis um elemento a mais para referendar a questão da amizade colocada pelo meu companheiro de caminhada. E como caminhar juntos? Como superar os temores naturais em relação ao outro que desconheço e que se me apresenta como uma ameça? Para mim, a resposta mais simples é, construindo solidamente e solidariamente um sentimento de amizade, um sentimento amoroso que pode vincular um e outro em direção ao sempre desconhecido, aos jogos circunstanciais não previsíveis. Para tanto, temos que contar com nossa boa vontade assim como com a do outro. Boa vontade a ser cultivada pela afeição, pelos afetos a serem construídos continuamente e, para tanto precisamos desenvolver o experimentum linguae para além de sua “dimensão perfeitamente vazia”, para além da arte de falar através do silêncio.
Ante o outro, incomodado com sua presença, com a possibilidade de me ver despido para ele, desnudado das armaduras naturais, sinto-me frágil, mas, ao mesmo tempo reconheço uma fragilidade maior: a solidão, a mais absoluta solidão, que ameaça como o Mal de Alzheimer, que me levaria definitivamente ao esquecimento, esquecimento de mim mesmo, do que sou como espécie, do que sou enquanto subjetividade.
Como iniciar o rito da aproximação? Penso no rito do acasalamento das outras espécies, pleno de sentido na escolha dos pares para a fornicação que garante a sobrevivência de cada espécie. Penso nas vozes proferidas que indicam a recepção do outro. Penso os movimentos, os gorjeios, as danças executadas, as lutas entre os pretendentes(muitas vezes mortais, como entre os leões marinhos), nos feromônios exalados. Penso enfim, na cumplicidade de Gaia com tais animais e, às vezes sinto-me órfão de physis. Talvez seja este o preço de deter além da voz, a fala, a linguagem. E muito mais quando ela retêm a possibilidade de ser sem enunciar-se, sendo tão somente sigética, uma construção do silêncio, nela, a linguagem que se constitui na condição única de aproximação com o outro, enquanto lugar de fala e escuta amorosas. Meu corpo provavelmente não exala feromônios, e se faz, nós humanos não nos apercebemos de seus odores, seus cheiros, suas magias.
A construção de filia, a amizade depende única e exclusivamente da boa vontade, como me relembra Aristóteles ao voltar a caminhar ao meu lado. “Ora, (diz ele) são aqueles que querem o bem de seus amigos em favor de seus amigos que são amigos no sentido mais pleno, visto que se amam por eles mesmos, não acidentalmente (...) Essa forma de amizade é perfeita seja do prisma da duração, seja daqueles demais atributos da amizade e em todos os aspectos cada uma das partes recebe da outra benefícios idênticos ou similares, atitude correta que se espera de amigos”.
Após escutar tais argumentos, reconcilio-me com physis ao perceber que ela dotou-me de atributos que, se desenvolvidos com o desprendimento necessário, que coloco como dever, como boa vontade, posso caminhar em direção ao outro e, em um movimento harmônico me permitir sua aproximação amorosamente, conciliando, quem sabe, o experimentum linguae, com minha condição de, ao falar ser realmente um criador de mundos.
O Estagirita e eu nos distanciamos. Ele, de volta à sua Grécia, à Estagira. Eu, de volta à minha Itaara e à Nascente do Lago.

O amor, uma experiência... da linguagem

Provocado pelos looongos textos que o Warat tem escrito nos últimos três dias, por força de ofício, fico a pensar e a reconhecer o que já sei desde muito: sou parco com a escrita e de uma loquacidade muitas vezes irritante. Portanto creio que serei breve em algumas considerações excêntricas sobre o tema que nos tem ocupado, ora com maior intensidade, ora com menor intensidade.
Parto de algumas premissas, algumas já abordadas, outras provavelmente não:
1. amor incondicional –
Conforme já notifiquei ao público que visita meu fotolog, acredito na existência de um sentimento (por falta de uma palavra melhor) que é desenvolvido pelas fêmeas das diversas espécies animais (inclusive a mulher) em relação aos seres que são gerados por elas. Condutas que podem ser observadas como cuidados, atenção, dedicação, desprendimento, proteção (muitas vezes colocando em risco a própria vida). Enfim, ações típicas dos animais que instintivamente preservam suas espécies. Afora a espécie humana, as demais não definem tais atos, simplesmente os cometem, garantindo a existência de gerações vindouras. Assim o farão a filha, a filha da filha e assim por diante, sem palavras, sem exemplos a serem seguidos, sem orientação da comunidade a quem pertencem. No caso das fêmeas humanas, possibilidade da reprodução é mediada pelas palavras que dão ou não sentido à ação reprodutiva. Coisas tipo realização pessoal ou não; relações conjugais ou não; convenções sociais ou não; interesses pecuniários ou não; uma noite de desatinos ou não; um impulso amoroso ou não (neste lugar é onde começam as questões, os problemas e as definições do que seja a procriação como ato amoroso com um outro ser, nomeado o amado, o único, pelo menos naquele átimo)
Do amor instintivo pela cria, passa-se para o amor não instintivo pelo outro, convêm salientar, o que não foi originado em seu útero (por favor, nada de teses edipianas, jocastianas, etc.). Aí começa o busílis, a confusão que parece não ter fim e, acredito nunca terá, pelo menos enquanto esta palavra constar nos dicionários e nas “cantadas” exercitadas por todos nós, humanos. Bem, a partir deste momento uma nova figura emerge, a do homem, é claro. Eu Falava de uma manifestação típica do sexo feminino, o sexo que é capaz de desenvolver uma gestação onde um outro ser desabrocha ao abrigo de um útero apoiado num corpo capaz de realizar tal façanha. Mas dentre os motivos simbólicos da reprodução feminina, eis que surge o homem, sujeito e objeto do sentimento dito amoroso. Simplificando, o reprodutor (assim como os machos das outras espécies), o que contribui com o espermatozóide para fazer com o óvulo uma junção que viabiliza o embrião, futuro ser humano. Neste momento, por estas contrariedades da vida moderna, convêm salientar que o ato sexual pode ser dispensado, assim como a presença do reprodutor no ato da procriação, ou quem seja ele enquanto pessoa. Para tanto, existem as tão conhecidas técnicas de inseminação artificial já consagradas nas práticas da reprodução assistida.
Portanto, o desejo da procriação pode dispensar o desejo amoroso, mas ele persiste no imaginário popular. Ter um filho com quem se ama é o ápice da felicidade, diriam uns e umas, antes dos movimentados processos judiciais, tendo em vista a partilha de bens, a pensão alimentícia e de quem vai ficar com quem, residindo ou nos finais de semana e nas férias (não mais conjugais, como costuma acontecer festivamente). Mas enfim, a palavra amorosa está inscrita nesta modalidade de justificativa da reprodução.
Amar, tendo o que como meta a procriação, a formação de uma família (célula mater da sociedade, como o dizia Rui Barbosa), o viver de amantes que juram estar juntos até que a morte os separe, constitui-se hoje numa fantasia já evanescente, desprovida de sentido, que durou no mundo ocidental pouco mais de dois séculos. E que levava como inscrição o nome de amor eterno, implicando matrimônio, com direito às cerimônias religiosas e civis, incluindo como bonificação, a lua-de-mel (neste momento me vem à cabeça, não sei por que, as palavras do poeta: “ai que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais”). Tomemos isto talvez, como um pequeníssimo hiato da nossa espécie no mundo ocidental, facilmente esquecível. Algo como o romantismo: alguém se lembra do romantismo, a não ser como uma fase da literatura ocidental?
Concluo este momento citando Aristóteles, que no De Anima, trata da amizade, da filia. Importa-me tal citação porque ela inclui o conceito de amizade conjugal. Segundo ele: “a amizade conjugal parece existir por força do instinto, uma vez que o ser humano é, por natureza, um animal que acasala, ainda mais que é um animal político, na medida em que a família é uma instituição mais antiga do que o Estado e a proliferação uma característica mais geral na vida animal. Assim, enquanto no que tange às outras espécies animais, a união dos sexos visa apenas a perpetuação da espécie, os seres humanos vivem juntos não apenas para a perpetuação da espécie, como também para prover o que é necessário à vida. (...) Consequentemente, a amizade conjugal parece ser uma combinação de amizade baseada na utilidade e amizade fundada no prazer”. Seria esta uma definição razoável de amor? Caso estejamos de acordo com o Estagirita, a questão está encerrada. Caso não, continuemos a argumentação.
Até a próxima.
Albano Pêpe

24 de set. de 2009

Um prefácio compartilhado

Albano Marcos Bastos Pêpe


Pensemos as rotas e os roteiros “estabelecidos” para uma turnê de um circo mambembe medieval que se transporta para a modernidade, passando por uma dessas dobras pensadas pela física. Seu roteirista, também autor, ator, diretor, mágico, malabarista, palhaço e bailarino, atende por Luis Alberto Warat, o que faz deste nome batismal, referência ante os diversos personas que mimeticamente pululam no picadeiro da sua escrita. Convêm salientar que esta troupe de um, vive em uma nave denominada Gramma. Quanto aos espetáculos com suas fantasias, suas magias e malabarismos, podem ser vistos/vividos/lidos quando o circo promove mais uma apresentação e os cartazes anunciam o lançamento de mais uma temporada. Mas nunca estranhem se o próprio Warat for encontrado nos cabarés, cafés e tabernas fazendo pré-lançamentos de obras nunca escritas e de outras há muito escritas, nos rincões deste mundo sem fim.
Seu novo espetáculo chama-se “O Materialismo Mágico”, que promete algumas atrações coadjuvadas por Breton, Artaud, Cortazar, Lispector, Borges, Sartre, Barthes e tantas outras “estrelas” do seu elenco de convidados.
Prefiro chamar este novo livro de narrativa. Um relato que traz a marca inconfundível da escrita waratiana. Sua obra alcança os mais diversos matizes que a reflexão levada pela inquietude contempla. É um texto filosófico, visto que é uma contemplação caracterizada por um dizer transcendental que toca os limites de um experimentum linguae, da experiência da linguagem com ela mesma. Sendo ao mesmo tempo o lugar de uma escuta sensível e comprometida com as vivências. É um texto de um Filósofo e não de um historiador da Filosofia, que é o formato imposto pelas faculdades de Filosofia aos seus incautos alunos. Seus interlocutores, pensadores que o acompanham ao longo de sua vida, não são datados simplesmente, pois não fazem parte, enquanto interlocutores, de uma prova da sua erudição. São tão somente “estrelas” postas no plano de seu pensamento como referências de falas que se aproximam e que gestam diálogos, diatribes de amigos.
Em suas viagens utiliza o astrolábio de Hiparco o grego, para não perder-se em navegações orientadas por modernos mapas de navegação. Atravessa os oceanos da linguagem, tendo como instrumentos, o primitivo instrumento e sua condição desejante. Ele quer o desvelamento do signo que teima em permanecer atrelado a relações formais da moderna razão ocidental. Da razão racionalizante que impossibilita o acesso ao plano real, ao plano do corpo enquanto morada e sentido. Quer que a palavra se revele, se desnude e recupere sua condição aurática,manifesta na alquimia, na carnavalização, no fantástico. Procura intuitivamente, aquilo que Heidegger chamava de ilatência, ou seja, a desocultação, o não oculto que a palavra traz consigo, para com isso mostrar que podemos efetivamente nos ver, enquanto construção permanente, enquanto dúvida, incerteza e devir diante de um Cosmos infinito ante seres finitos que somos.
O surrealismo é uma das embarcações que Warat utiliza para buscar nos signos para que eles se liberem daquilo que lhes é imposto ao significar. Talvez como a experiência de maravilhar-se com a existência do mundo como um milagre, como o diria Wittgenstein. Para Warat, assim como para os demais surrealistas, as palavras assim como a arte não existem para apaziguar, muito pelo contrário, existem para vivenciarmos o que está reprimido, apresentar o conflito provocado pelas enunciações, pelas definições que tão somente servem para castrar o desejante que há em cada um.
Contrapondo-se ao trivial dos saberes instituídos e consagrados como verdadeiros, o texto waratiano envereda pelas trilhas do fantástico que traz consigo o onírico, o erótico, a alquimia. Algo como uma hermenêutica dos devires, dos movimentos que desocultam mas que não se deixam prender em definições, em formulas definitivas. Ele, ao seu modo, aventura-se na busca de uma pedagogia da imaginação criadora, de uma pedagogia-imaginação que não se prenda na busca de uma verdade que já está fossilizada. As pedagogias que implantam próteses que impedem o livre caminhar devem ser substituídas pela produção da incerterza, da dúvida que impulsiona para os caminhos que devem ser trilhados com os próprios pés. Como diziam os povos Guaranis: nimuendaju, ensinar a caminhar com os próprios pés.
Ensina-nos finalmente o Warat, que devemos estar atentos à linguagem poética que nos atravessa e que fazemos questão de esquecer, porque ela não tem compromissos com a produção das verdades científicas, porque ela não produz tecnologias, porque ela não nos coloca adequadamente no mercado de trabalho. E isto é razoável, visto que a poesia tão somente pode nos mostrar quem somos, uns e outros, tão próximos e tão distantes quando nos tratamos maquinicamente. Esta é uma boa encruzilhada para decidirmos os rumos que queremos, que podemos querer e que sabemos o que podemos querer.
Nesta sua generosidade mambembe, em sua morada planetária, expressa por um corpo que não se esquiva das marcas de tantas batalhas, ele, às vezes encontra guarida nas tabernas medievais que sua memória ancestral traz consigo, convivendo com os vates, com os loucos, com os desgarrados; às vezes nos cafés, onde deposita suas crenças, as mais simples como as das crianças e, as mais terríveis como a de um oráculo que despeja suas metáforas que vaticinam novas eras; às vezes nos cabarés ao lado de Macunaíma e Robespierre servindo e sorvendo delicadamente Vino & Sofia e, às vezes na oika onde brinca despreocupadamente criança, ao lado de outra criança: sua neta... Em cada uma destas paradas, deposita seu amor pela espécie. Sua filia, amizade amorosa sem restrições, que também é depositada nesta narrativa que humildemente apresento ao lado de Leonel Severo Rocha.
Enfim, aguardemos o próximo momento “espetacular”,ou seja, o momento não previsível de uma nova composição alquímica que seja transformada em mais uma narrativa deste mago que persegue a criação do instante em que a palavra seja acompanhada da sua ilatencia.

23 de set. de 2009

O amor e o experimentum linguae

Este texto foi pensado e escrito em homenagem a Luis Alberto Warat, em nome da sua teimosia em inscrever a palavra amorosa desde sempre nos seus atos, humanos, demasiadamente humanos. Amparado em seu caule rizomático, ele sempre deixa cair sementes nas quais deposita a esperança de que floresçam, não se importando com a aridez dos solos percorridos e a percorrer.
Albano Marcos Bastos Pêpe

Entre a voz (phoné), a linguagem (lógos) e a gramática (gramma) acontece um processo evolutivo que vem ocorrendo há aproximadamente cinqüenta mil anos com o homo sapiens sapiens. Afastando-se da rudeza e simplicidade da voz que é comum a todos os animais, seu ethos, sua oikia e sua polis têm o homem seus alicerces fundados. Sua linguagem nomeia os objetos físicos que o circundam, sejam artefatos produzidos, sejam os demais seres naturais, seja ele mesmo enquanto sujeito e objeto a ser capturado nas redes das enunciações. Tais redes formam cadeias de elementos lingüísticos que representam, isto mesmo, representam os objetos capturados pelos sentidos, tanto os naturais quanto os construídos. Estamos navegando em palavras que traduzem a imanência em constructos transcendentais e que, produzem sentidos convencionados históricamente às experiências corporais. Nunca dizemos o real, ele é o nous, a essência como diria Kant, ficamos tão somente frente ao seu pórtico. Aportamos tão somente no phainómenon, no mundo fenomênico. Condenação de uma espécie que ousou ir além da voz.
Em um momento concomitante e/ou subseqüente do surgimento da linguagem, partimos para o experimentum linguae, que nos é lembrado por Agamben, como “a infância, na qual os limites da linguagem não são buscados fora da linguagem, na direção de sua referência, mas de uma experiência da linguagem como tal, na sua pura autoreferencialidade”. Abandonando agora este autor, diria que tal movimento solto, livre das amarras dos referentes materiais, me permitem inscrever dentre outros o amor como um experimentum linguae. Warat, ao dar título a um de seus livros, assim o nomeia: O amor tomado pelo amor. Parece-me que tal inscrição o remete a uma experiência da linguagem diante do inefável, “aquilo que não se pode exprimir por palavras, o indizível”. Ou, em outro movimento: o campo da sigética, como o queria Heidegger ao defini-la “como a ciência ou a arte (de falar através) do silêncio”.
O silencio na linguagem não é o silencio do pensamento. Sendo para mim, a elaboração da mais delicada tessitura possível ao animal falante que logo somos. É o colocar-se voluntariamente numa encruzilhada que pode nos levar a uma floresta de palavras, a um emaranhado rizomático no qual, quase sempre podemos nos perder. Pois pensar o que o pensamento tão somente captura em seu experimentum linguae, nos faz tentar dizer o inefável, ou seja, romper o silêncio instituído na linguagem para que o pensamento nela se manifeste através da fala, do discurso.
Voltemos ao amor e à provocação do amor tomado pelo amor. Simploriamente poderíamos dizer que não passa de um tautologia, ou seja, uma “proposição que tem por sujeito e objeto um mesmo conceito”, mas não creio que seja assim. O amor só pode neste entendimento, ser pensado e falado a partir dele mesmo enquanto experiência da linguagem desprovida de uma parte objecti. Mas isto não é suficiente para esta palavra que está inscrita na linguagem humana enquanto memória ancestral que se refere aos estados d’alma descritos pelas mais diversas civilizações ao longo dos séculos. Mas como romper o silêncio que a linguagem se impõe para estabelecer seu universo autoreferencial? Mas também como não pensar o sentido inaugural de amor, senão no praeconcutare, no perguntar o mais íntimo do que somos, ou seja, enquanto construção autoreferencial?
Creio que o pensar o amor como um dos experimentum linguae por nós elaborado sem algo de material a predicar, é algo coerente e óbvio. No entanto, se a linguagem é a morada do ser, conforme certa tradição filosófica, este ser que é ente, parece-me, está condenado a expressar sensivelmente tudo o que pensa, inclusive os experimentos da linguagem. Dito isto, procuro não correr o risco de simplificar tal equação. Ao contrário, tento capturá-la em sua magnitude e complexidade.
Ao ver o conceito de amor repousar nas enunciações típicas do mundo da vida, defronto-me com uma verdadeira Torre de Babel, onde as gramáticas tornam-se ininteligíveis umas para as outras. Visto que, parece-me, falar do amor traz consigo um implícito: falar da experiência amorosa. Pois também o é referir-se ao “outro”, a quem afirmo amar ancorado na minha experiência da linguagem, enquanto fala e não enquanto discurso. Assim também este “outro” o fará e assim sucessivamente, ad infinitum. Eis a concretude da Torre de Babel, instituída e instituinte. Se este quadro tem sua gravidade e complexidade enquanto manifestação da fala, pensemos no que ocorre quando esta fala inscreve-se no plano do discurso, da argumentação com vistas aos procedimentos comunicacionais razoáveis! Eis o ápice da já conhecida Torre.

21 de set. de 2009

O Libertino - parte II -



Roteiro: Albano Pêpe, ora confinado em Arkan, em carreira solo, visto que o outro roteirista evadiu-se deste manicômio judiciário e está refugiado em Yapeyu

Permitam-me ser franco neste começo: vocês não vão gostar de mim. Os cavalheiros terão inveja; as senhoras, nojo.Vocês não vão gostar de mim agora. Passarão a gostar menos com o tempo. Senhoras um aviso: quero transar. O tempo todo. Não estou me gabando nem opinando, é apenas uma constatação médica: eu sou promíscuo. E vocês me verão sendo promíscuo, e irão suspirar. Não façam isso. É melhor, para vocês, ver e tirar suas conclusões de longe... do que eu enfiar meu pênis dentro de sua saia. Cavalheiros, não se desesperem: também sou promíscuo com vocês, e vale a mesma advertência. Controlem suas ereções até eu acabar de falar. Mas, mais tarde, quando transarem, e mais tarde vocês vão transar... esperarei isso de vocês e saberei, se me decepcionarem... eu quero que transem com minha imagem em miniatura rastejando em suas gônadas. Sintam como era para mim, como é para mim... e pensem: “Este tremor foi o mesmo tremor que ele sentiu? Ele conheceu algo mais profundo? Ou existe alguma parede de miséria na qual todos batemos a cabeça... naquele momento luminoso e eterno?” É isso. Esse foi meu prólogo. Nada rimado, nada de falsa modéstia. Espero que não queiram isso. Sou John Wilmot, o segundo Conde de Rochester... e não quero que vocês gostem de mim. ( prólogo)
E, finalmente, ali ele jaz. O convertido no leito de morte. O devasso crente.Eu não sabia me conter, não é mesmo? Dê-me vinho eu bebo tudo e jogo a garrafa vazia no mundo. Mostre-me Nosso Senhor Jesus em agonia... e subo na cruz, tiro seus pregos e os coloco em minhas mãos. Aqui vou eu, arrastando-me do mundo... com minha saliva fresca sobre a Bíblia. Olho a cabeça de um alfinete... e vejo anjos dançando. E então... gostam de mim agora? Gostam de mim agora? Gostam de mim agora? Gostam de mim... agora? (epílogo)

Cena um e única -
Em tons escuros, como que deixados como rastros das sépias, o rosto de Johnny Deep, mimetizado John Wilmot, Conde de Rochester, taça de vinho levada à boca delicadamente, inicia e dá fim ao filme “O Libertino”. Curtos monólogos que abrem e fecham a cortina fílmica de um recorte da vida de um libertinus, que do latim pode ser traduzido como “filho de liberto”, o filho do escravo que passou a ser livre. Na fácil linguagem dos copistas, dos repetidores: “ livre de qualquer moral, devasso, dissoluto, depravado, licencioso”.
É nesta encruzilhada que quero me colocar, a mim e a você que se dispõe a esta narrativa. Que tanto pode levá-lo ao vômito quanto ao orgasmo. Pouco importa, são tão somente excrementos expelidos pelas vias naturais. A mera presença do Conde de Rochester pode nos tirar de um “agradável” estado de servidão voluntária, da passividade que acompanha via de regras nossas vidas, inúteis para nós mesmos e extremamente úteis para os que nos mantém escravos de suas vontades... ou, não!
O Conde Rochester viveu para os impulsos dos sentidos, reverenciando suas inclinações, como diria Kant. Tal filho do liberto, nunca permitiu que sua LIBERDADE fosse admoestada nem pelos valores, nem pelas moralinas do seu tempo: quando... ciência e intercurso sexual floresceram... juntamente com a guerra, desastres naturais, conflito político, problemas econômicos e consumo abusivo de álcool... veio a ressaca”, conforme nos é narrado. Filho de uma Inglaterra decadente e profundamente moralista, o que é uma marca registrada dos tempos de poderes absolutistas (teocracias, monarquias, democracias, ditaduras) e das sociedades ali gestadas, corrompidas e corruptas. Assimilando sua época, tornou-se a encarnação viva da mesma, com a sutil diferença de ser despojado de discursos morais e de gestos dissimulados. Enfim, era um Libertino, um filho do liberto, que conhecia a escravidão da sua comunidade e que a ela não se submetia. Frente a hipocrisia de seus pares, expunha sua embriaguês rotineira, sua vida promíscua com a prostitutas e as aristocratas, assim como com os jovens rapazes que dele se aproximavam.
Anarquista sem bandeiras ideológicas, expunha seu amigo, Charles II a situações constrangedoras com peças teatrais, encomendadas pelo rei para servirem de exemplo moral do reino, eram escritas e encenadas por atores travestidos em órgãos sexuais que faziam a critica dos costumes e do reinado.
Sua mãe, representava a mulher típica da aristocracia decadente. Profunda religiosidade discursiva que ocultava desejos secretos pelo filho de vida promíscua. Gostaria, creio, de ser uma de suas prostitutas.
Sua esposa, Elisabeth, jovem burguesa raptada por ele quando tinha dezoito anos ainda virgem, portadora de um excelente dote, a tudo submetia-se em nome de sua nova condição aristocrática. Visto que faziam parte do pacote, ou seja, do contrato matrimonial, o conde de Rochester e a partilha da raiz aristocrática do Libertino
Nosso Conde Rochester, sentia a profunda dissimulação da sociedade decadente em que vivia. Dos salões aristocráticos, do Palácio Real, dos lupanares e das tabernas fedorentas e sujas: apenas alguns passos no meio da lama das ruas de Londres. Todos eram atores de uma ópera perversa e pobre de sentido. Por jogos aparentemente estranhos, sua paixão era o teatro, seu sonho: escrever uma grande obra teatral. Também na cena teatral encontrou a grande paixão de sua libertina vida: LIzzie, uma atriz medíocre de teatro que teve seu talento delicadamente desvelado por ele.
Sua vida, escrita e teatralizada por um de seus bajuladores transforma-se em sucesso cênico,levando consigo sua Lizzie. Sua vida do outro lado do palco, ele a desempenha tragicamente. Abandonado pela amada, portador de sífilis e fugindo de um mandato de prisão determinado por Charles II, torna-se um palhaço mambembe coadjuvado por uma fiel prostituta e por um lacaio ladrão.
Como roteirista e com a liberdade que a ninguém permito atravessar, amontôo cenas desprovidas de tempo lógico (típico dos porteiros de hotel chinfrim, que adoram dar explicações):
Em um pequeno diálogo de despedida entre eles, ouve-se:
- Conde de Rochester: eu jamais lhe perdoarei por me ensinar a amar a vida.
= Lizzie (a atriz amante): então estamos quites: sua lição para mim foi viver, e a minha para você foi a propria vida. Não precisamos mais nos ver...
Ao seu leito de morte, sua mãe faz penetrar um padre, para que ele, o Libertino Conde de Rochester, fizesse a entrega de seu corpo dissoluto para o deus dos cristãos, já que não o entregara para ela.
Um final feliz, não ouso pensar para quem:
Pranteado em sua câmara mortuária pela fiel esposa e por sua mãe, sabedoras, que ao menos naquela noite ele não irá para as tabernas e prostíbulos londrinos embriagar-se e satisfazer seu eterno penis erectus; paralelamente, tem sua biografia ovacionada no palco cênico, de onde Dizzie, a atriz, em prantos arrebata entre palmas e uivos, a gratidão do rei com sua corte, assim como da massa, finalmente perdoados de seus pequenos vícios e pecados, pelo fim da via crucis do Libertino.
A isto chamo de AMORES DESMEDIDOS, o mais fica parecendo jogos de cena, dignos não do Teatro, mas dos convescotes com os quais estamos habituados a conviver.
Cai o pano e a cena fílmica se esvai. E para nós... pipoca e coca-cola.

19 de set. de 2009

Caminhos que podem levar para Yapeyu - Prolegomena


Estou perdido, ou pelo menos penso que estou, perdido no mato que pode ser uma floresta ou até mesmo uma cidade cosmopolita, ou um vilarejo até. Estou perdido mas sei que estou em algum lugar da América do Sul, e isto já é alguma coisa para tomar minha caminhada.
Procuro um lugar chamado Yapeyu, que nem sei se existe. Ouvi falar dele através de dois amigos: um que é o Warat, que vive gritando aos quatro cantos do mundo que é patafísico, isto mesmo, patafísico. Às vezes creio que ele foi abduzido por algum extraterrestre, sei não!
O outro, ou melhor, a outra é a Andréa. Conhecemos-nos através de jornadas internetiano-cibernéticas e até chegamos a nos ver, ao vivo e a cores. Mulher sensual e enigmática, assim como são as fêmeas da nossa espécie.
Pois é, foi a partir dos relatos de ambos, o Warat falando de uma Taberna que fica em Yapeyu, onde ele afirme que vive ao lado dos xamãs Guaranis e que à noite costuma ir para a tal Taberna, cuja dona, a dona Doña que me parece ser aparentada da Lilith, aquela que Deus mandou para o inferno como castigo por ter seduzido Adão, até então prometido para uma tal de Eva, com vistas ao projeto demográfico de Deus para este pequeno planeta. Muito complicado para meu parco entendimento. Mas enfim, segundo ele a tal casa noturna seria conhecida como a Taberna de dona Doña.
Por outro lado, a Andréa colocou no frontispício da dita cuja, uma placa muito bonita com a efígie de uma mulher e com o nome Taberna Dona Flor. E ainda, segundo sua narrativa, havia encontrado na mesma, muitos amigos, dentre eles o Warat, este seu humilde narrador, o Alexandre, a Rosa, dentre outros. É né, sabem como são as coisas, eu não me lembro bem de ter estado lá, mas porre é porre. Se ela afirma, eu fico na posição cartesiana, que dizia que tinha – ele, Descartes - imensa dificuldade de distinguir sonho e realidade (ele jurava de pés juntos não confiar nos sentidos). Por outro lado, por que será então que eu quero ir à tal da Taberna dona Doña ou Dona Flor? Pouco importa o nome de fachada – fica parecendo mais tentativa de confundir a Receita Municipal de Yapeyu -, eu não tenho nada a ver com isso.
Com os ouvidos colados num aparelho MP3 –viva a modernidade – caminho há mais de anos, escutando Caetano Veloso (quero ver Irene dar sua risada) e me embrenhando mais e mais no meio do nada. Durante a noite escuto o piar das corujas, assim como o bater das asas (asas?) dos morcegos que cegamente fazem seus vôos kamikases. Durante o dia, vejo as cobras se esgueirando em busca de suas presas. Sol a pino ou lua cheia. Amanheceres e crepúsculos fascinantes e tão parecidos, que às vezes fico sem saber se está amanhecendo ou anoitecendo. Sei não! Andei dando umas cachimbadas que alguns xamãs me ofereceram pelo caminho. Fico me perguntando: serão eles os amigos do Warat? Eles me dizem que pode ser que sim. Por que será que os bruxos sempre falam por metáforas? Serão eles aparentados dos oráculos? Enfim...
Estou indo porque gosto de conversas triangulares, como assim define a Andréa nossas falações (dela, do Warat e minha) e, como eu gosto de triangulações, pois me cheiram a coisas proibidas e perigosas, como também de formas perfeitas, matematicamente perfeitas, tais como o triangulo, vou indo, se vou chegar, isto é uma outra estória.