21 de set. de 2009

O Libertino - parte II -



Roteiro: Albano Pêpe, ora confinado em Arkan, em carreira solo, visto que o outro roteirista evadiu-se deste manicômio judiciário e está refugiado em Yapeyu

Permitam-me ser franco neste começo: vocês não vão gostar de mim. Os cavalheiros terão inveja; as senhoras, nojo.Vocês não vão gostar de mim agora. Passarão a gostar menos com o tempo. Senhoras um aviso: quero transar. O tempo todo. Não estou me gabando nem opinando, é apenas uma constatação médica: eu sou promíscuo. E vocês me verão sendo promíscuo, e irão suspirar. Não façam isso. É melhor, para vocês, ver e tirar suas conclusões de longe... do que eu enfiar meu pênis dentro de sua saia. Cavalheiros, não se desesperem: também sou promíscuo com vocês, e vale a mesma advertência. Controlem suas ereções até eu acabar de falar. Mas, mais tarde, quando transarem, e mais tarde vocês vão transar... esperarei isso de vocês e saberei, se me decepcionarem... eu quero que transem com minha imagem em miniatura rastejando em suas gônadas. Sintam como era para mim, como é para mim... e pensem: “Este tremor foi o mesmo tremor que ele sentiu? Ele conheceu algo mais profundo? Ou existe alguma parede de miséria na qual todos batemos a cabeça... naquele momento luminoso e eterno?” É isso. Esse foi meu prólogo. Nada rimado, nada de falsa modéstia. Espero que não queiram isso. Sou John Wilmot, o segundo Conde de Rochester... e não quero que vocês gostem de mim. ( prólogo)
E, finalmente, ali ele jaz. O convertido no leito de morte. O devasso crente.Eu não sabia me conter, não é mesmo? Dê-me vinho eu bebo tudo e jogo a garrafa vazia no mundo. Mostre-me Nosso Senhor Jesus em agonia... e subo na cruz, tiro seus pregos e os coloco em minhas mãos. Aqui vou eu, arrastando-me do mundo... com minha saliva fresca sobre a Bíblia. Olho a cabeça de um alfinete... e vejo anjos dançando. E então... gostam de mim agora? Gostam de mim agora? Gostam de mim agora? Gostam de mim... agora? (epílogo)

Cena um e única -
Em tons escuros, como que deixados como rastros das sépias, o rosto de Johnny Deep, mimetizado John Wilmot, Conde de Rochester, taça de vinho levada à boca delicadamente, inicia e dá fim ao filme “O Libertino”. Curtos monólogos que abrem e fecham a cortina fílmica de um recorte da vida de um libertinus, que do latim pode ser traduzido como “filho de liberto”, o filho do escravo que passou a ser livre. Na fácil linguagem dos copistas, dos repetidores: “ livre de qualquer moral, devasso, dissoluto, depravado, licencioso”.
É nesta encruzilhada que quero me colocar, a mim e a você que se dispõe a esta narrativa. Que tanto pode levá-lo ao vômito quanto ao orgasmo. Pouco importa, são tão somente excrementos expelidos pelas vias naturais. A mera presença do Conde de Rochester pode nos tirar de um “agradável” estado de servidão voluntária, da passividade que acompanha via de regras nossas vidas, inúteis para nós mesmos e extremamente úteis para os que nos mantém escravos de suas vontades... ou, não!
O Conde Rochester viveu para os impulsos dos sentidos, reverenciando suas inclinações, como diria Kant. Tal filho do liberto, nunca permitiu que sua LIBERDADE fosse admoestada nem pelos valores, nem pelas moralinas do seu tempo: quando... ciência e intercurso sexual floresceram... juntamente com a guerra, desastres naturais, conflito político, problemas econômicos e consumo abusivo de álcool... veio a ressaca”, conforme nos é narrado. Filho de uma Inglaterra decadente e profundamente moralista, o que é uma marca registrada dos tempos de poderes absolutistas (teocracias, monarquias, democracias, ditaduras) e das sociedades ali gestadas, corrompidas e corruptas. Assimilando sua época, tornou-se a encarnação viva da mesma, com a sutil diferença de ser despojado de discursos morais e de gestos dissimulados. Enfim, era um Libertino, um filho do liberto, que conhecia a escravidão da sua comunidade e que a ela não se submetia. Frente a hipocrisia de seus pares, expunha sua embriaguês rotineira, sua vida promíscua com a prostitutas e as aristocratas, assim como com os jovens rapazes que dele se aproximavam.
Anarquista sem bandeiras ideológicas, expunha seu amigo, Charles II a situações constrangedoras com peças teatrais, encomendadas pelo rei para servirem de exemplo moral do reino, eram escritas e encenadas por atores travestidos em órgãos sexuais que faziam a critica dos costumes e do reinado.
Sua mãe, representava a mulher típica da aristocracia decadente. Profunda religiosidade discursiva que ocultava desejos secretos pelo filho de vida promíscua. Gostaria, creio, de ser uma de suas prostitutas.
Sua esposa, Elisabeth, jovem burguesa raptada por ele quando tinha dezoito anos ainda virgem, portadora de um excelente dote, a tudo submetia-se em nome de sua nova condição aristocrática. Visto que faziam parte do pacote, ou seja, do contrato matrimonial, o conde de Rochester e a partilha da raiz aristocrática do Libertino
Nosso Conde Rochester, sentia a profunda dissimulação da sociedade decadente em que vivia. Dos salões aristocráticos, do Palácio Real, dos lupanares e das tabernas fedorentas e sujas: apenas alguns passos no meio da lama das ruas de Londres. Todos eram atores de uma ópera perversa e pobre de sentido. Por jogos aparentemente estranhos, sua paixão era o teatro, seu sonho: escrever uma grande obra teatral. Também na cena teatral encontrou a grande paixão de sua libertina vida: LIzzie, uma atriz medíocre de teatro que teve seu talento delicadamente desvelado por ele.
Sua vida, escrita e teatralizada por um de seus bajuladores transforma-se em sucesso cênico,levando consigo sua Lizzie. Sua vida do outro lado do palco, ele a desempenha tragicamente. Abandonado pela amada, portador de sífilis e fugindo de um mandato de prisão determinado por Charles II, torna-se um palhaço mambembe coadjuvado por uma fiel prostituta e por um lacaio ladrão.
Como roteirista e com a liberdade que a ninguém permito atravessar, amontôo cenas desprovidas de tempo lógico (típico dos porteiros de hotel chinfrim, que adoram dar explicações):
Em um pequeno diálogo de despedida entre eles, ouve-se:
- Conde de Rochester: eu jamais lhe perdoarei por me ensinar a amar a vida.
= Lizzie (a atriz amante): então estamos quites: sua lição para mim foi viver, e a minha para você foi a propria vida. Não precisamos mais nos ver...
Ao seu leito de morte, sua mãe faz penetrar um padre, para que ele, o Libertino Conde de Rochester, fizesse a entrega de seu corpo dissoluto para o deus dos cristãos, já que não o entregara para ela.
Um final feliz, não ouso pensar para quem:
Pranteado em sua câmara mortuária pela fiel esposa e por sua mãe, sabedoras, que ao menos naquela noite ele não irá para as tabernas e prostíbulos londrinos embriagar-se e satisfazer seu eterno penis erectus; paralelamente, tem sua biografia ovacionada no palco cênico, de onde Dizzie, a atriz, em prantos arrebata entre palmas e uivos, a gratidão do rei com sua corte, assim como da massa, finalmente perdoados de seus pequenos vícios e pecados, pelo fim da via crucis do Libertino.
A isto chamo de AMORES DESMEDIDOS, o mais fica parecendo jogos de cena, dignos não do Teatro, mas dos convescotes com os quais estamos habituados a conviver.
Cai o pano e a cena fílmica se esvai. E para nós... pipoca e coca-cola.

Um comentário:

  1. Então o amor desmedido não é para os covardes, não é para os que têm medo de libertar-se, não é para os que dão passos cautelosos, não é para os que sobrevivem.
    "Do you like me... now?"
    Um beijo meu,
    Gabe

    ResponderExcluir